
Uma luta pela memória
Quanto vale a memória? Quanto vale o local em que toda a sua vida foi construída? Quanto vale morar numa comunidade em que se sente acolhido? Quanto vale a sua própria personalidade? Para muitas pessoas, a moradia é apenas uma questão transitória. É só um endereço, uma residência, um número. Mas, para os moradores da Vila Esperança, as suas casas vão além de uma habitação, elas se tornaram a sua própria identidade.
Situada no bairro do Monteiro, na Zona Norte do Recife, a Vila Esperança é reconhecida como uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) desde 1994. A comunidade está situada às margens do Rio Capibaribe de um lado, próximo à Avenida 17 de Agosto do outro e aos fundos da Escola de Referência Silva Jardim.
Inserida num dos bairros mais ricos da capital pernambucana, a Vila se projeta como um refúgio em meio aos prédios de classe média alta erguidos no seu entorno. Sem portarias ou playgrounds, as crianças da comunidade brincam com os vizinhos na rua. Não há a rigidez dos apartamentos e dos salões de festa para os encontros, as conversas acontecem nos portões das casas, na rua e na mercearia de Seu Luiz, o comerciante mais antigo do local.
Mas, desde o anúncio da construção de uma ponte próxima à Vila, os moradores foram forçados a aceitar um preço pelas suas memórias. Almejada durante muitos anos, a ponte que ligaria o bairro do Monteiro ao bairro da Iputinga, através do Rio Capibaribe, foi intitulada como a salvação para o problema crônico do trânsito entre as Zonas Norte e Oeste da cidade.
Anunciada pela primeira vez em 2012, a ponte chegou a ter a sua construção iniciada na época. O projeto previa a retirada de cerca de 500 famílias na Iputinga e no Monteiro. Foi anunciada a realização de dois conjuntos habitacionais para as famílias desabrigadas - o do Monteiro teria 220 apartamentos. Hoje, 11 anos depois, apenas um prédio de 16 unidades foi construído, alguns moradores foram indenizados e outros ainda recebem o auxílio-moradia da Prefeitura, no atual valor de R$ 300,00.
Por problemas técnicos e orçamentários, a construção da ponte ficou parada por sete anos e a estrutura erguida foi abandonada. No entanto, em setembro de 2021, a Prefeitura do Recife anunciou a retomada das obras da ponte, agora nomeada como Engenheiro Jaime Gusmão. O que foi intitulado como um sonho para o trânsito da cidade se tornou um pesadelo para os moradores da Vila Esperança.
A princípio, 53 casas seriam desapropriadas e demolidas para a primeira etapa da construção da ponte. No entanto, segundo documento obtido pelo Jornal do Commercio e enviado à Defensoria Pública de Pernambuco pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB), órgão responsável pela obra, mais 255 famílias da Vila vão precisar ser retiradas para a implantação do anel viário, a segunda etapa da construção.
Entre o primeiro projeto para a realização da ponte, apresentado em 2008, e a reformulação de 2021, aconteceram mudanças significativas no traçado de acesso. As imagens abaixo mostram as modificações nos projetos:


Imagens obtidas através do Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) e organizadas pela Cooperativa Arquitetura, Urbanismo e Sociedade (CAUS)
As ofertas de indenizações pelas casas abrem as rodadas exaustivas de negociações entre a Prefeitura e os moradores. As residências acabaram recebendo valores bem abaixo do avaliado pela região em que está situada e os proprietários são praticamente forçados a negociar algo que não colocaram à venda.
Em julho de 2023, a pesquisa do Sindicato da Habitação de Pernambuco, em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), assinalou que o bairro do Monteiro tinha o maior valor médio do metro quadrado das casas residenciais usadas disponíveis para a venda no Recife. Para efeito comparativo, o valor do m² no Monteiro é R$ 6.607,59 enquanto no bairro periférico vizinho, Casa Amarela, o valor do m² na mesma categoria é R$ 3.164,04.
Com as expectativas frustradas, os moradores esperavam a proteção da Vila por ter o título de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social). De acordo com a lei no 15.926/94, assinada pelo então prefeito do Recife, Jarbas Vasconcelos, as áreas que compreendem as localidades da Vila Esperança e o Cabocó, outra comunidade próxima, foram transformadas em ZEIS pelo “fato da ocupação apresentar condições de permanência física, com perspectivas de melhorias a partir da execução do seu Plano Urbanístico e de Regularização Jurídica que venha favorecer a implantação de infra-estrutura, demonstrando assim a sua viabilidade de consolidação e melhoria prevista por lei.”
Nas negociações, os moradores sentem que a validação do local como ZEIS não é levado em consideração. Além disso, mesmo que o Direito à Moradia esteja assegurado no artigo 6º da Constituição Brasileira, é como se nem isso estivesse garantido. O que resta é o clima de melancolia que se instala na Vila Esperança. Andando pelas ruas calmas do local, é possível avistar destroços das casas já demolidas. Aquelas que, um dia, foram palco de aniversários, ceias de Natal e conversas alegres no portão.
Os destroços das construções viraram o parque das crianças que ainda moram ali. Elas jogam pedaços de tijolo contra as paredes que resistiram em pé, correm em cima dos azulejos quebrados e pulam de volta às ruas como se os destroços fossem um trampolim. A tragédia se mistura à alegria da infância.
Entre ruas apertadas e casas geminadas, é possível sentir a convivência comunitária. Crianças jogando bola, vizinhos conversando na esquina e cumprimentos de todos os lados são as ações comuns de avistar. Junto com Dona Dalvinha, uma das moradoras do local, nós andamos pela Vila como exploradores em lugares desconhecidos. Conheça a Vila Esperança conosco através do vídeo abaixo:
Andar pela Vila Esperança hoje é notar um misto de sentimentos nos moradores. Entre os que foram judicializados, há revolta, luta e resistência. Entre os que já negociaram, há tristeza, sofrimento e saudade. Entre os que ainda não foram chamados para negociar, há dúvida, medo e angústia.
Mas, independentemente da posição na guerra e dos sentimentos gerados, todas as casas são um conjunto de memórias e histórias de vida que correm o risco de se perderem
em meio ao asfalto e ao futuro trânsito de passageiros que talvez nem saibam o que um dia esteve ali. Mas, aqui, a própria história da Vila Esperança será contada através das vidas de sete moradores. Aqueles que nunca perderam a esperança.
Cada casa, uma história
O nome dele é Wellington Lira, mas todo mundo na Vila Esperança o conhece como Leto. Mora na Vila desde que nasceu, há quase 60 anos. É o terceiro morador mais antigo da comunidade. Seria impossível contar a sua história sem falar da Vila Esperança ao mesmo tempo. Os principais momentos da sua vida, as brincadeiras de infância, as aventuras de adolescente e as responsabilidades de adulto foram nas ruas do local.
A Vila hoje é o resultado de muitas ocupações ao longo do tempo. Terras de um antigo engenho da região, o local tinha cerca de dez casas antigas por volta da década de 1960. As pessoas que ali moravam pagavam aluguéis a um homem chamado Nelson Temporal - coincidência ou não, o nome da rua principal da Vila é Rua Ilha do Temporal. Depois de um tempo, esse Nelson desapareceu, os moradores ficaram sem saber quem era o novo dono das casas e continuaram morando.
Foi nesse cenário que a avó de Leto, Porcina Maria, chegou na Vila Esperança. Rezadeira e natural de Palmeira dos Índios, município de Alagoas, ela veio morar em Recife na busca de uma nova vida. E foi na comunidade que Porcina encontrou a possibilidade de uma moradia tranquila. Um ano depois da sua chegada, a filha Alaíde também começou a morar no local.
Em 1964, Wellington nasceu conquistando cada pedaço da Vila. Andava pela rua principal que ainda não era pavimentada. Tomava banho no riacho que atravessava os terrenos da região. Olhava a pequena horta que a sua avó cultivava ao lado da sua casa. Ia pegar água no chafariz que ficava próximo à Avenida Dezessete de Agosto. Brincava com os trilhos da via férrea. Observava com admiração as lavadeiras que desciam dos morros ao redor e abriam as suas saias para lavar as roupas no Rio Capibaribe.
Os terrenos vazios foram ocupados por outras pessoas que chegavam e construíam as suas moradias. Essas ocupações também foram marcadas por tensões. Chegou a acontecer uma ação da polícia no local para dispersar os novos moradores. Mas, por pressão de alguns movimentos sociais e políticos, as pessoas conseguiram continuar lá. Foi nesse momento que a comunidade ganhou o nome de Vila Esperança. Era a esperança de permanecer e conquistar um novo espaço que os motivaram.
Como não é possível contar a história de Leto sem a Vila, também foi no início dos anos 90 que ele e o cunhado resolveram construir as casas da família no mesmo terreno onde ficava a horta da avó. Três anos depois, a Vila Esperança se tornou uma ZEIS, um título que daria segurança a todos os moradores. Mas, a segurança os deixou desde que a construção da ponte voltou.
No vídeo abaixo, Leto fala emocionado do significado da Vila Esperança na sua vida e da situação atual da sua moradia diante da construção da Ponte Engenheiro Jaime Gusmão:
Em outubro de 2021, os moradores da Vila Esperança foram surpreendidos com funcionários da URB marcando as suas residências e dizendo que seriam chamados para fazer acordos indenizatórios. Todas as casas da família de Wellington foram marcadas, inclusive a da sua mãe, que tem mais de 80 anos. Ele sabe que a ponte é um problema de mobilidade, mas argumenta: “tem dois problemas sérios aqui no Recife, um é a mobilidade, e o outro mexe com muito mais pessoas, que é a camada mais pobre, que é a moradia”.
A partir disso, Seu Leto encampou a luta e a resistência para permanecerem. Em março de 2023, ele foi eleito o 2º líder da Vila Esperança na Comissão de Urbanização e Legalização de Posse da Terra (COMUL). Contudo, o papel de liderança na comunidade acabou ficando estremecido quando ele foi forçado a negociar a sua casa. Como a própria residência está vinculada às outras da família, a permanência ficaria inviável depois que os parentes decidiram negociar.
O cenário de destruição que ficaria no local, com apenas os destroços das casas da família, seria demais para o próprio Leto. Os entulhos não significariam apenas tijolos, telhas e portões, é como se a sua própria história estivesse misturada à poeira das demolições. Ali estariam simbolizadas as brincadeiras de infância, as refeições em família e a construção de uma vida.

Álbum de família

Confira na próxima a história de Dona Dalvinha.

Sobre ZEIS
Um dos problemas mais graves das cidades brasileiras é a habitação. No Recife, por exemplo, existiam 1.806 pessoas em situação de rua entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023. Além disso, são frequentes as moradias em área de risco e a existência de ocupações em diferentes locais da cidade por causa de fatores como a especulação imobiliária.
Para assegurar os direitos de alguns desses locais, foram criados instrumentos que protegessem o direito à moradia. Um deles foi a criação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) a partir da Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano, aprovada pela Prefeitura do Recife em 1983. A lei reconhece as ZEIS como “assentamentos habitacionais surgidos espontaneamente, existentes e consolidados, onde são estabelecidas normas urbanísticas especiais, no interesse social de promover a sua regularização jurídica e a sua integração na estrutura urbana”.
Para uma agilidade e regulamentação maior das ZEIS, o Movimento Popular, com a assessoria da Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz, elaborou um projeto de lei para urbanização e legalização de todas as ZEIS. A referida lei, conhecida como Lei do PREZEIS, foi aprovada pela Câmara dos Vereadores do Recife e sancionada pela Prefeitura em 1987.
Essa legislação estabelece medidas como: adequar investimentos públicos às características do local, implantar equipamentos urbanos e comunitários, inviabilizar a especulação imobiliária do terreno urbano das ZEIS e evitar o processo de expulsão indireta dos moradores. Nesse sentido, a Vila Esperança foi decretada como área ZEIS em 1994, de acordo com a Lei nº 15.926.
Confira as leis citadas abaixo:
A professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e da pós-graduação em Desenvolvimento Urbano e Regional da UFPE, Danielle Rocha, explica que as ZEIS são um reconhecimento do poder público de que aquela área deve permanecer no local onde ocupou, assim como a possibilidade de sua urbanização e regularização fundiária. Ela diz que as ZEIS são geridas num modelo de gestão compartilhada, através de representantes das próprias comunidades, do poder público e de outras instâncias da sociedade.
Segundo a professora Danielle, um dos direitos assegurados pelas ZEIS é a proteção em relação à especulação imobiliária: “quando ela se torna uma ZEIS, os parâmetros urbanísticos específicos daquela área garantem que não haja, por exemplo, a construção de prédios e uma expulsão ali dentro. Com isso, o mercado não vai poder visar determinadas áreas que são valorizadas por conta da localização”. Confira a explicação da professora no vídeo abaixo:
A professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e da pós-graduação em Desenvolvimento Urbano e Regional da UFPE, Danielle Rocha, explica que as ZEIS são um reconhecimento do poder público de que aquela área deve permanecer no local onde ocupou, assim como a possibilidade de sua urbanização e regularização fundiária. Ela diz que as ZEIS são geridas num modelo de gestão compartilhada, através de representantes das próprias comunidades, do poder público e de outras instâncias da sociedade.
Segundo a professora Danielle, um dos direitos assegurados pelas ZEIS é a proteção em relação à especulação imobiliária: “quando ela se torna uma ZEIS, os parâmetros urbanísticos específicos daquela área garantem que não haja, por exemplo, a construção de prédios e uma expulsão ali dentro. Com isso, o mercado não vai poder visar determinadas áreas que são valorizadas por conta da localização”. Confira a explicação da professora no vídeo abaixo:
Danielle Rocha explica que hoje existem mais de 70 localidades consideradas Zonas Especiais de Interesse Social no Recife. Contudo, segundo a professora, alguns artigos do último Plano Diretor da cidade, promulgado em abril de 2021, enfraqueceram os direitos das ZEIS. Um deles foi a permissão da retirada das faixas de limite ao perímetro dessas localidades, caso esteja numa área de reestruturação urbana, ao lado do sistema viário.
Mesmo com retrocessos, as ZEIS continuam resistindo pelos seus territórios. A Vila Esperança é um exemplo disso: um local considerado ZEIS há 19 anos e que está sendo abalado por processos de desapropriações. Mas, o caso da Vila não é isolado. Cada vez mais, é necessário reafirmar a importância das ZEIS para a política da cidade. De acordo com a professora Danielle, “a gente, como sociedade, tem que se sentir orgulhoso de existir esse instrumento, que corrobora com a questão da função social da propriedade, da função social da cidade”.
A defesa da Vila
A partir da retomada da construção da Ponte Engenheiro Jaime Gusmão, a área da Vila Esperança foi decretada como de “utilidade pública”. De acordo com o novo projeto, cerca de 300 casas da comunidade serão removidas nas duas etapas da obra. Como início dos processos de desapropriação, em setembro de 2021, as primeiras residências foram marcadas por funcionários da URB, sem qualquer aviso prévio aos moradores.
Após as marcações, os proprietários foram chamados para rodadas de negociações na URB. Os moradores alegam que os valores indenizatórios são irrisórios e consideram apenas as benfeitorias realizadas, excluindo o valor do terreno. Nesse sentido, é importante lembrar que a Vila Esperança é uma área ZEIS, então, as terras deveriam ter passado por processos de regularização fundiária, o que nunca aconteceu.
Em algumas reuniões coletivas mediadas pelo poder público, os moradores relatam que se sentiram desvalorizados e humilhados. As famílias também denunciam a presença constante de funcionários da Autarquia no território, coagindo e pressionando os moradores pela conclusão do acordo. Nas negociações, aqueles que não aceitaram, tiveram os seus processos judicializados.
Hoje, algumas residências já estão com ordens de despejo decretadas pela Justiça, com o mesmo valor oferecido pela Prefeitura. A defesa de alguns deles, exercida pela Defensoria Pública e pelo Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH), conseguiu recorrer dessas decisões. Mas, os processos se afunilam a cada dia. No vídeo abaixo, Natália de Almeida, advogada do CPDH, fala como está a situação jurídica da Vila Esperança.
Com valores insuficientes para garantir uma nova moradia semelhante, os moradores não conseguem vislumbrar as outras opções. O habitacional prometido pela Prefeitura estava com data de entrega prevista para o segundo semestre de 2023, mas a licitação para contratação da empresa responsável pela construção foi aberta apenas em 27 de julho deste ano. O conjunto residencial teria 75 apartamentos com área útil entre 40 m² a 43 m², divididos entre dois quartos, um banheiro, sala de jantar e estar, cozinha e área de serviço.
Muitas das famílias da Vila Esperança não têm interesse no habitacional e as possibilidades acabam ficando mais escassas. O auxílio-moradia oferecido pela Prefeitura, no valor de R$ 300, também não seria suficiente para garantir uma casa adequada. Sem saída, eles decidiram resistir da forma que puderam: protestos fechando a Avenida 17 de Agosto, mobilizações nas redes sociais e articulação com outros políticos.
A Vila Esperança respira à resistência, mesmo que muitos dos seus filhos já tenham saído pela pressão exercida. Ainda que os processos estejam na Justiça, não há muita garantia para os moradores. Como a advogada Natália de Almeida explicou, o Direito tende a visar o lado do poder público, enquanto esquece as pessoas.
A RESPOSTA
A Prefeitura do Recife e a Autarquia de Urbanização do Recife foram questionadas pela reportagem sobre os diversos pontos apontados no texto. Através de email, enviado no dia 28 de agosto para as duas instituições, foram feitas as seguintes perguntas: Por que o traçado das alças de acesso à Ponte Engenheiro Jaime Gusmão passa pelas casas da ZEIS Vila Esperança ao invés de utilizar a Rua Pinto Campos? Como está a atual situação das desapropriações das casas da Vila Esperança? Como está sendo realizado o diálogo com os moradores da ZEIS durante o processo de desapropriação? Por que os valores das indenizações das residências dos moradores não condizem com o valor do metro quadrado do bairro do Monteiro? A respeito da retirada das famílias, está sendo oferecida alguma assistência aos moradores, como acompanhamento psicológico? Por que os destroços das casas já demolidas não foram recolhidos pela Prefeitura do Recife? Como está o andamento do projeto da construção do habitacional? Tem previsão de entrega?
A resposta da Prefeitura do Recife foi enviada através do Gabinete de Imprensa. Segue, abaixo, a nota completa.
A RESPOSTA A RESPOSTA
“A Autarquia de Urbanização do Recife (URB) informa que a ponte Jaime Gusmão beneficiará diretamente cerca de 60 mil pessoas, criando uma nova ligação entre as zonas Oeste e Norte da cidade. É a primeira ponte a ser entregue na capital pernambucana em quase duas décadas e já está com mais de 80% de conclusão em sua etapa principal de obras, correspondente ao “tabuleiro” sobre o rio.
A construção da ponte Jaime Gusmão e do habitacional Vila Esperança requer a desapropriação de 51 imóveis. Todos já foram negociados, incluindo 12 que foram objeto de negociação judicial, e 50 foram pagos. A URB esclarece que cada imóvel é avaliado individualmente e recebe um valor que varia de acordo com questões como existência de documentação legal, área construída e benfeitorias realizadas pelos moradores. Os valores oferecidos são baseados em tabela atualizada anualmente e validada pelos órgãos de controle, como Tribunal de Contas do Estado e Caixa Econômica Federal.
O material das casas já demolidas será retirado à medida que as obras avancem.
A Prefeitura do Recife vai construir um conjunto habitacional, com 75 apartamentos, como opção de moradia para que as famílias residentes na Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Vila Esperança/Cabocó, afetadas pela construção da Ponte Jaime Gusmão, possam permanecer no local. A obra começa nas próximas semanas, com investimentos em torno de R$ 13 milhões. Além disso, a comunidade ganhará também uma creche.
Os equipamentos serão construídos num terreno desapropriado pela Prefeitura do Recife, vizinho à ZEIS. O habitacional será dividido em dois blocos, um com 40 unidades e o outro com 35, contando com jardim, horta comunitária, playground e bicicletário. Os apartamentos medirão cerca de 40 m2 e os prédios terão tipologia do tipo térreo mais quatro pavimentos.”
A Autarquia de Urbanização do Recife (URB) também foi questionada em dois emails, enviados em 28 de agosto e 05 de setembro, mas até a entrega desta reportagem não respondeu às perguntas solicitadas.
Uma ponte para quem?




No evento de inauguração da ponte, estarão presentes autoridades, a imprensa, representantes dos poderes públicos e quem mais queira assistir. Será alardeado como a obra é importante para o trânsito da cidade, a eficiência da Prefeitura em concluir um projeto prometido há tantos anos e como representa a modernização do Recife. Os discursos serão bonitos, entusiastas e alegres com a conclusão da Ponte Engenheiro Jaime Gusmão.
Do outro lado, estará uma Vila que chora. Ela vê os filhos que cuidou desde pequenos irem embora sem a certeza de moradia. As histórias, os momentos felizes, as vidas foram esquecidos pela necessidade da modernidade. A ponte vai passar, o anel viário vai passar, as vias de acesso vão passar, os carros vão passar, as bicicletas vão passar, os pedestres vão passar, todos irão passar pela Vila Esperança como se ela não fosse nada.
O novo asfalto pode até brilhar, mas não vai sorrir como Dona Dalvinha. O trânsito dos carros vai fazer barulho, mas não será igual às conversas com Dona Bernadete. As pessoas vão andar, mas não irão parar para conversar com Seu Luiz. A alça de acesso à ponte estará erguida, mas não com o cuidado que Leninha construiu a própria casa. As ciclofaixas serão importantes, mas não lembrarão do passado como Seu Leto. A Avenida 17 de Agosto poderá estar mais bonita, mas não terá Dona Gil andando para chegar em casa. Os novos espaços de convivência atrairão a vizinhança, mas não haverá o terraço de Seu Juca para receber quem chega.
A perda da Vila Esperança e dos seus moradores será inestimável para qualquer um. É mais do que desapropriações, despejos e demolições, é a política de uma cidade. Simboliza como um território coletivo é pensado e ocupado. O que importa mais: as pessoas ou os carros? Retratar as injustiças contra a Vila Esperança é também mostrar o que acontece com outras comunidades que são expulsas diariamente, seja pelo poder público ou privado. Lutar pela Vila Esperança é lutar por nós mesmos, para que a cidade seja pensada a partir da coletividade e do direito de moradia digna para todos.
Eu, a jornalista em formação que vos escreve, não conhecia a Vila Esperança até janeiro deste ano. A experiência de conviver com as pessoas da comunidade, que contagiam e acolhem como se você fosse a âncora que irá lhes salvar do naufrágio, é única. A construção deste trabalho me deu a oportunidade de praticar um jornalismo humano que olha para cada pessoa como se ela representasse todo o país. Talvez eu não salve ninguém com essa reportagem, mas a história de cada um estará marcada. Quem sabe ela nos faça olhar além da Vila Esperança, mas também para tantas outras comunidades que lutam para não ter o mesmo destino.